Unha Colección Privada

Unha Colección Privada
February 14, 2023 João Louro

UNHA COLECCIÓN PRIVADA

11.02.23 > 29.04.23

Fundación DIDAC, Santiago de Compostela

Curadoria de David Barro

 

Artistas: Ignasi Aballí, Helena Almeida, Rosana Antolí, Nobuyoshi Araki, Berta Cáccamo, Sophie Calle, Carmen Calvo, Merlin Carpenter, Jacobo Castellano, Phil Collins, José Pedro Croft, Stan Douglas, Dora García, Alberto García-Alix, Christian García Bello , Cristina Garrido, Nan Goldin, Paul Graham, Ana Jotta, Hilla Kurki, João Louro, Vivian Maier, Robert Mapplethorpe, Vítor Mejuto, Matt Mullican, Lucio Muñoz, Melik Ohanian, Pamen Pereira, Allen Ruppersberg, Julião Sarmento, Soledad Sevilla, Malick Sidibé, Rui Valerio, Eulàlia Valldosera, Lawrence Weiner, Francesca Woodman.

 

Uma coleção privada que não é grandiloquente nem extravagante, que não oscila por um único tema específico e que permanece inédita até agora. A sua condição discreta é diretamente proporcional ao seu nível de essência e complexidade, sendo capaz de contar demais sem deixar de contar de menos.

Conta Robert Musil, numa nota destinada a um ensaio, que as duas típicas objeções que lhe eram feitas se baseavam nesse tipo de paradoxo. Não é difícil pensar no romance mais conhecido O Homem Sem Qualidades, no qual muito pouco é realmente contado. O seu protagonista é um homem de ciência, inteligente, extremamente reflexivo e discreto, que, longe do que se possa supor, não só não lhe faltam qualidades, como também possui um grande número de atributos que simplesmente não exibe de graça. A descrição não está longe do que poderíamos fazer sobre o protagonista desta coleção que, com a sua companheira de vida, empreendeu uma aventura em forma de ação paralela: caminhar pelo mundo da arte com a cumplicidade de quem é capaz de colocar em um dos lugares mais altos na sua escala de valores.

Não parece por acaso que uma das obras desta coleção é uma enorme pintura sobre tela do artista português João Louro, que representa a capa do referido livro de Musil. Antes dessa série de capas, Louro havia apresentado as suas Blind Images onde oferecia um texto ao espectador, que não conseguia acessar a imagem, deixando a obra aberta e à disposição do espectador. Em O Homem Sem Qualidades #3 é o livro, com o título e o nome do autor, mas sem o conteúdo. Trata-se de desvendar o mundo e apreender os meandros conceptuais da arte e da vida, pois o que realmente interessa não é abordar a obra de arte para ver a obra em si, mas o mundo através da obra, sendo essa nuance em que a razão d’être desta coleção assenta, na qual não há assunto que não tenha sido meditado, escrutinado ou discutido com o esmero do amador exigido, nas palavras de Ana Jotta do “amador profissional”.

Com essa atitude, iniciou-se em 1986 esta coleção, cuja procura foi aumentando ao longo do tempo. Sem uma direção precisa no início do caminho, como a escrita de Musil, instintivamente tomou um rumo mais singular e pessoal, questionando-se e entendendo-se sempre como uma obra inacabada, com a coragem de quem não tem medo de mergulhar uma e outra vez em mundos desconhecidos. Porque a primeira coisa a entender sobre uma coleção é que ela é algo constantemente vivo, uma extensão emocional de quem a estruturou e pensou, de quem a trabalhou e cultivou e continua a fazê-lo. Estou a pensar na obra de Melik Ohanian, capaz de meditar sobre as consequências do mundo sem indicações específicas, buscando o espectador para especular e refletir até antecipar a sua relação com o mundo: Tomorrow Was.

Esta obra, uma das últimas a integrar este acervo, fala-nos de fragmentos de vida. Como a escrita de Musil é uma história que se cria, que nunca volta atrás, embora avance olhando para o retrovisor, que estará sempre em suspenso, como todos aqueles objetos misteriosos que, como pontos de elipse, nos aparecem em muitas das obras nesta coleção particular, de Vivian Maier a Carmen Calvo. Um livro, um sapato, uma bolsa… Poderíamos pensar o mesmo das cores que Ignasi Aballí enuncia ou das ideias conceptuais de Lawrence Weiner. Esta coleção é algo como uma obra aberta, como tentar penetrar na mente do outro, entrar na vida dos outros como uma possibilidade incerta, transportar-se para o outro lado. Assim, muitas das obras selecionadas partem dessa lógica, de Phil Collins a Nan Goldin, de Nobuyoshi Araki a Paul Graham, de Julião Sarmento a Hilla Kurki. Porque se algumas obras nos levam à contemplação, de Berta Cáccamo a Soledad Sevilla; outras se situam mais no campo do olhar, como a fotografia de Robert Mapplethorpe ou a pintura de Merlin Carpenter.

Tentar abranger uma coleção particular numa exposição é uma tarefa impossível, embora possamos compreender algumas das suas histórias: as que nos falam de conceitos; as que nos conduzem ao mistério dos objetos; as paisagens que, tal como na obra de Cristina Garrido, são tantas e tão ricas em matizes quanto queremos projectar; aqueles que nos submergem em valores abstratos; ou aqueles que nos conduzem ao universo da alteridade. Tudo cabe no universo caleidoscópico de uma coleção particular, principalmente quando é produto de dois olhares atentos. Porque foi assim que aconteceu.