SMUGGLING [solo show]

SMUGGLING [solo show]
October 12, 2015 admin

SMUGGLING

11.10.15|07.05.16
MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE ELVAS (MACE), Elvas, Portugal

Curator: Ana Cristina Cachola

 The works in this exhibition (most of them are new pieces) articulate the material and the symbolic within a field of differences, conflicts and tense relations between the visible and the invisible, between images and words. The distinct elements used – the exacting images and words – align with Louro’s constant battle against established scopic regimes, the cultural and political matrix that conditions how we exercise the gaze, and the technological web that mediates visual events.  “Smuggling”, the title of this exhibition, is suggested as a strategy to be employed in this battle: a contraband of meanings among various semiotic systems that enables one to see the densest layers of cultural production in its various expressions (literary, cinematographic, musical, theoretical, vernacular, etc.).  And to see them in parallel with the simplifying flows that transform information into entertainment or entertainment into information.

Contraband, according to Irit Rogoff, is a mode of artistic, critical and epistemological creation that moves in a different direction, away from territories crystallised by consensus, monolithic densities of knowledge and paradigms or discursive formations solidified by contemporary institutions. Contraband is a model, a methodology (João Louro’s methodology) that allows for growth, not in a positive or positivist sense, but in a seismic formulation that unleashes a destruction, one that produces new meanings. It is this seismic formulation that characterises the works of João Louro, which constantly activate, in a violent manner, the (inter)relations between images and words.

In this exhibition, the visual and the verbal – the visuality of a word and the verbality of an image – constitute dimensions that are displaced within a creative movement, a contraband, if you will, pursuing alternative paths to the great highways of content circulation. The works presented in distinct media are the fruits of these movements, producing analytical surfaces and invoking visual literacy as a critical strategy in the contemporary world. Several of these works – whose most poignant examples include “Parlant Trahi par sa Parole” (2015), “AZERT” (2004) and História do Crime (1999) – show how images can (and should) be read and how words should be viewed. This is not merely a simplistic process of a signifying equivalence or a pedagogical act on the spectator. It is an attack on passive perception.

Not by accident, military visuality occupies an important place in the exhibition’s discourse. The “Blind Images” series of photographs of the Battle of Verdun – one of the main conflicts in the First Great War – not only recalls one of the first moments in which armed conflicts were documented photographically; it also represents a potent attack in its obliteration of a captioned image. War, as also invoked in “Míssil TOMAHAWK” (2015) and “Míssil AGM-84 E SLAM” (2015), which feature military devices drawn to full scale, is instituted as a state of emergency, a crisis situation that necessitates a new symbolic (and very often, geographical) cartography for understanding the world.

In this exhibition, the map, which has always been eminently political in nature, configuring relations of power and establishing hierarchical structures between territories, is the surface-image that, in different moments and distinct works, reveals the constellation of João Louro. On the one hand, cartographic exercises have always been used to structure knowledge based on the mutual dependence between the visual and the verbal; on the other hand, they delineate the (im)possibility of substituting the real with an image.  Understood as a clandestine movement, contraband is nothing more than an escape from official cartography, one that only occurs, however, in its presence.

Louro maintains an interest in discursive systems that restrict and control the possibilities of our gaze and, therefore, our subjective mobility, working with them to shatter these systems and reconfigure them in images that function as critiques of the image itself.  “Smuggling” is an exhibition/revelation that shows us not only the various sites that constitute João Louro’s constellation, that is, the individual works on their own, but also how they relate to one other: through a contraband of languages and meanings; exchanges, correspondences, questionings, refutations that follow dense paths that are occasionally illicit, hidden away from heuristic conventions.


A obra de João Louro tem uma predisposição constelatória, dispersa em referências, técnicas, linguagens e suportes  distintos e, no entanto, agregada, de forma muito clara e coesa, em torno de um mesmo programa visual: a obra de arte enquanto forma de conhecimento trespassado pelo trabalho da cultura. Neste sentido, a validade artística das suas obras é acompanhada por uma validade epistémica – uma produção de conhecimento – que consubstancia uma ética e uma estética das imagens que originam o mundo. Aquilo que João Louro faz com uma proficiência invulgar é congregar no seu gesto artístico a visualidade em toda a sua complexidade, uma visualidade de largo espectro que não é apenas a construção social da visão, mas a construção visual do social.

Os trabalhos apresentados nesta exposição (novas peças, na sua grande maioria) articulam o material e o simbólico num campo de diferenças, conflitos, relações tensionais entre o visível e o invisível, as imagens e as palavras. Os distintos elementos de que se serve – imagens e palavras, com maior fôlego – concorrem para o combate constante de Louro aos regimes escópicos instituídos, à matriz cultural e política que condiciona a forma como exercemos o olhar, à teia tecnológica que medeia os eventos visuais. “Smuggling” (contrabando, em português), título da exposição, insinua-se como estratégia utilizada neste combate: um contrabando de significados entre os diversos sistemas sígnicos que permite observar as mais densas camadas da produção cultural, nas suas diferentes expressões (literária, cinematográfica, musical, teórica, vernácula, etc.). Permite, ainda, fazê-lo de forma paralela aos fluxos simplificadores que transformam a informação em entretenimento ou o entretenimento em informação.

O contrabando é, na senda de Irit Rogoff[1], um modo de criação artística, crítica e epistemológica que percorre caminhos que se afastam de territórios cristalizados por consensos, espessuras monolíticas de saber, paradigmas ou formações discursivas sedimentadas pelas instituições do contemporâneo. O contrabando é um modelo, uma metodologia (a metodologia de João Louro) que permite o avanço, não no sentido positivo ou positivista, mas numa formulação sísmica que desencadeia uma destruição produtora de novas significações. É esta formulação sísmica que alcançam as obras de João Louro ao activarem, constantemente,  e de forma violenta, as (inter-)relações entre imagens e palavras.

Nesta exposição, o visual e o verbal – a visualidade da palavra e a verbalidade da imagem – assumem-se como dimensões que se deslocam num trânsito mutuamente constitutivo  – um contrabando –, que percorre caminhos alternativos às grandes vias da circulação de conteúdos. As obras apresentadas, em distintos media, são resultado destes trânsitos, produzem superfícies analíticas e apelam à literacia visual enquanto estratégia crítica do mundo contemporâneo.[2] Algumas obras – tomem-se “Parlant Trahi par sa Parole” (2015), “AZERT” (2004) ou “História do Crime” (1999) enquanto exemplos agudos – mostram como as imagens podem (e devem) ser lidas e as palavras vistas. Este não é contudo um processo simplista de equivalência sígnica ou uma acção pedagógica sobre o espectador, é uma agressão à percepção passiva.

Não por acaso, a visualidade bélica ocupa lugar de relevo no discurso expositivo. A série de “Bilnd Images” dedicadas às imagens fotográficas da Batalha de Verdun, um dos principais confrontos da Primeira Grande Guerra, remete não só para um dos  momentos primeiros da documentação fotográfica de conflitos armados como para agressão sensível que constitui a obliteração de uma imagem legendada. A guerra, também convocada  em “Míssil TOMAHAWK” (2015) e “Míssil AGM-84 E SLAM” (2015), dispositivos bélicos desenhados à escala real, instituí-se enquanto estado de excepção, situação-limite que obriga a uma nova cartografia simbólica (e muitas vezes geográfica) de apreensão do mundo.

O mapa que sempre deteve um carácter eminentemente político, configurando relações de poder e estabelecendo estruturas hierárquicas entre territórios, é a superfície imagética que, nesta exposição, em vários momentos e distintas obras, nos revela a constelação de João Louro. Por um lado, os exercícios cartográficos sempre serviram a estruturação de um conhecimento ancorado numa dependência mútua do visual e do verbal; por outro,  desenharam a (im)possibilidade da imagem enquanto substituição do real.  O contrabando, entendido enquanto movimento clandestino, não é mais que uma fuga à cartografia oficial, só acontecendo, no entanto, na sua presença.

Louro retém o interesse nos sistemas discursivos que espartilham e dirigem as possibilidades do olhar e, consequentemente, a mobilidade subjectiva, fazendo-o para estilhaçar esses sistemas e reconfigurá-los em imagens que funcionam como crítica da própria imagem.  “Smuggling” é uma exposição-revelação pois mostra não só as várias localizações que constituem a constelação de João Louro, ou seja, as obras na sua individualidade, mas a forma como se relacionam entre si: através de um contrabando de linguagens e significados; trocas, correspondências, questionamentos, refutações que percorrem caminhos densos, às vezes ilícitos, porque ocultos de convenções heurísticas.

 

[1] Rogoff avança esta tese no texto “Smuggling – An Embodied Criticality” (2006).

[2] Isabel Capeloa Gil, na sua obra Literacia Visual. Estudos sobre a Inquietude das Imagens (2011), defende a literacia visual enquanto estratégia de cidadania.

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