A bienal de arte mais concorrida do planeta abre portas no próximo dia 9. João Louro, 51 anos leva a sua obra a Veneza.O Expresso assistiu aos bastidores de um artista em construção.
Texto Ana Soromenho Fotografias Tiago Miranda in jornal Expresso
No princípio era o desejo de se inventar. Esse é o tempo anterior à tela e pertence ainda à construção de um desenho sem traço nem regras. Dizia João Louro, o artista que representará Portugal na 56ª edição da Bienal de Arte de Veneza, que foram esses os anos de adolescência numa cidade de interior, Castelo Branco, onde o campo e a malha urbana se invadiam e “nada acontecia senão os pactos de amizade”. Esse foi o tempo em que o mundo era engolido nos livros, no cinema, na música, na voragem de aprender, e ganhou consciência de que o planeta era mais vasto do que só aquilo. Então, imaginou a possibilidade de inventar uma vida e o primeiro passo a dar para o seu alcance foi a fuga. Partiu para Lisboa e começou a desenhar-se como artista. O primeiro lugar onde foi buscar inspiração e matéria de trabalho para a construção da obra foi precisamente ao universo referencial do tempo da adolescência. “Vida e obra são a mesma coisa”, sublinha. A propósito conta uma história Um dia, em San Diego (EUA), entrou numa loja de objetos em segunda mão e pegou num vinil dos Velvet Underground. Era o original concebido por Andy Warhol, “o célebre álbum da banana”, que se transformou numa das obras iconográficas da cultura pop do século XX: “Foi um disco importantíssimo e faz parte das minhas referências. Jurei que tinha de ser meu.” Se tivesse de destacar alguns dos momentos chave para serem impressos na biografia este seguramente seria um deles. A exposição que irá levar a Veneza tem como título “I Will Be Your Mirror/Poems and Problems”. E I’ll Be Your Mirror é também o título da música que ficou eternizada na voz de Nico, a musa alemã dos Velvet Underground, e João Louro construiu uma peça em néon e palavras onde inscreveu a letra da canção. Mas este é o único ponto de aliteração entre as obras que em breve serão expostas no maior evento de arte do planeta. De resto, a obra deste artista de 51 anos, que durante mais de duas décadas construiu uma linguagem conceptual feita de signos e memória, tem um único fio condutor delineado a partir da ideia de espelho e da invisibilidade, nesta edição da Bienal que tem como título genérico “All the World’s Futures”/”Todos os Futuros do Mundo”.
De Lisboa para Itália
No ateliê de João Louro, 500 metros quadrados em Campo de Ourique que antigamente serviam de armazém à Papelaria Fernandes, as peças prestes a ser embaladas para seguir viagem são observadas por María de Corral, comissária desta exposição. A curadora espanhola chegara de madrugada de Madrid para verificar os últimos detalhes da obra já terminada, e os dois aproximam-se do quadro onde estão coladas várias fotografias do interior do Palácio Loredan, a sede do Instituto Veneziano de Ciências e Artes, onde será exposta a mostra portuguesa. Encontrar este espaço foi o primeiro obstáculo que ultrapassaram no longo caminho que percorreram até Veneza. Em 2012, Portugal deixou de alugar o armazém que habitualmente acolhiam as suas representações. Na última bienal, Joana Vasconcelos contornou a questão com o seu cacilheiro. Temporariamente, este vazio está resolvido. Mas a solução continua por encontrar. Juntos percorreram virtualmente as seis salas da biblioteca do belíssimo edifício veneziano do século XVI. É entre lustres de cristal e estantes de madeira pesada forradas de livros que serão albergadas as 12 peças que compõem o programa concebido entre comissária e artista. O contraste faz parte do desafio. João Louro vai explicando algumas alterações que fez, mostra-lhe o lugar onde ficará a peça “Looking for Someone”, uma fotografia enorme de uma porta de desembarque de um aeroporto internacional, onde ele, cidadão anónimo no meio de outros cidadãos anónimos, está à espera de passageiros desconhecidos e escreveu na placa que segura na mão o nome Walter Benjamin.
María de Corral, que acompanha há muitos anos o artista português, sabe que não é um trabalho fácil de comunicar. “É preciso decifrar a obra, perceber as referências, conhecer os personagens”, enuncia. A cumplicidade entre comissária artista tem mais de uma década. Em 2002, Corral, na altura diretora da Bienal de Pontevedra, tinha convidado uma série de artistas nacionais a participar numa coletiva onde João Louro se incluíra e, em 2005, no ano em que foi codiretora da Bienal de Veneza, voltara a integrá-lo no Pavilhão de Itália. “Ele está na linguagem artística do século XXI porque inclui no trabalho a sua cultura vivida, que é vastíssima. Tudo o que leu, o que viu, o que ouviu e consumiu é introduzido na obra. Está sempre a falar de imagem, palavra, linguagem e consegue fazer isto com muito poucos meios para o expressar no seu trabalho. Outra questão muito importante é introduzir o espectador na obra. É o espectador quem termina o trabalho”, esclarece María de Corral. Louro devolve-lhe o elogio, ao referi-la como figura incontornável no seu percurso quando, no início da década de 90, era ainda um jovem artista à procura de um lugar e com poucos meios para viajar. Nessa época, ir a Madrid, ao Museu Rainha Sofia, onde Corral era então diretora, fazia parte da sua peregrinação obrigatória na sua aprendizagem enquanto jovem artista internacional.
maio de 2015